Capítulo 6 - A cisão da comunidade nipo-brasileira. (1)

Derrotistas e vitoristas.

A crença na vitória japonesa.

Com o fechamento dos jornais de língua japonesa, em junho de 1941, somente as informações obtidas diretamente do Japão através de ondas curtas e que eram transmitidas de boca em boca eram tidas como confiáveis, sendo as notícias veiculadas pelos jornais brasileiros tidas como “boataria” e, portanto, não dignas de confiança. Não se pensava que as transmissões diretas do Japão também continham propaganda tanto quanto as do inimigo.

Em 14 de agosto de 1945, era possível, mesmo no Brasil, ouvir através do rádio a transmissão em que o Japão reconhecia a Declaração de Potsdam, mas os japoneses que escutaram a notícia da derrota limitaram-se a ouvi-la estupefatos. Contudo, ao passar do tempo, ao invés de aceitar a difícil notícia de que o Japão havia sido derrotado, alguns indivíduos re-interpretaram a declaração convenientemente, acomodando às notícias que ouviam até então, passando a afirmar que a derrota nada mais era do que boato, e que o Japão havia, na realidade, ganho a guerra. Discursos como esse rapidamente se alastraram pela comunidade japonesa, tornando-se possível àqueles que não queriam aceitar a derrota acreditar no contrário. Estas pessoas eram chamadas de “vitoristas”, “conviccionistas” etc.

Entre as lideranças da comunidade havia muitas pessoas que reconheciam a derrota; no entanto, boa parte dos japoneses comuns — especialmente aqueles que viviam em áreas mais remotas — continuou a acreditar na vitória. Esse fenômeno não se limitou, porém, ao Brasil; japoneses que viviam no Peru ou no Havaí, militares que eram mantidos cativos em outros países — pessoas que não puderam ver com seus próprios olhos o estado de destruição que tomara conta do país após os bombardeios aéreos e a total falta de víveres também faziam parte desse grupo.

Casos repetidos de fraudes.

Em setembro, circulava um boato de que uma delegação japonesa visitaria o Brasil e sua chegada aconteceria a bordo de um navio de guerra, fazendo com que muitos japoneses saíssem do interior e viessem ao porto de Santos. Desde antes da guerra já acontecia a venda do iene no mercado negro. Começou então a acontecer a venda fraudulenta de notas antigas de iene sem valor devido à troca de moeda ocorrida em janeiro de 1946. Muitas outras fraudes envolvendo a suposta vitória do Japão foram registradas durante o período, não sendo poucos os que foram lesados entre os vitoristas.

O movimento de aceitação

As lideranças da comunidade japonesa temiam que os movimentos que teimavam em negar a derrota do Japão na guerra levassem os japoneses a serem alvo de rejeição por parte da sociedade brasileira. Surgia então o “movimento pela aceitação do estado presente” (ou simplesmente “movimento de aceitação”), que tinha por objetivo despertar o entendimento sobre a real situação do Japão e, ao mesmo tempo, propunha pensar em conjunto os rumos que a comunidade deveria tomar em relação à sociedade brasileira. Aqueles que aderiram ao movimento eram chamados “derrotistas” (sempre em caráter pejorativo).

Em 3 de outubro de 1945, após receber, através da sucursal brasileira da Cruz Vermelha Internacional, uma cópia do edito imperial que reconhecia a derrota e uma mensagem do ministro das relações exteriores Tōgō endereçada aos japoneses que residiam no exterior, o derrotista Chibata Miyakoshi (ex-embaixador substituto na Argentina e ex-gerente da KKKK) reuniu diversos membros proeminentes da comunidade japonesa no Brasil e decidiu que o conteúdo dessas mensagens deveria ser transmitido aos imigrantes.

A medida, no entanto, só fez elevar ainda mais os ânimos entre os vitoristas, e Miyakoshi foi acoimado de “inimigo da pátria” e declarado “anti-patriota”. Miyakoshi planejava visitar individualmente cada região onde houvessem japoneses estabelecidos e conversar diretamente com os imigrantes. Porém, como houvesse perigo de vida, Miyakoshi optou por imprimir o edito imperial e a mensagem do ministro Tōgō e enviar as cópias às regiões.

Em 19 de outubro, a fim de informar aos compatriotas a verdade dos fatos, os derrotistas solicitaram ao consulado-geral dos Estados Unidos que lhes enviasse jornais e revistas do Japão; a encomenda chegou em 16 de março de 1946, sendo distribuídas para diversas regiões.

Os ataques terroristas perpetrados por radicais.

A situação, entretanto, agravou-se, e diversos ataques foram levados a cabo contra os derrotistas e líderes da comunidade japonesa por membros mais radicais da facção vitorista (os extremistas denominavam-se “tokkōtai” [esquadrão de ações especiais]. Foram assassinados: Ikuta Mizobe, diretor executivo da Cooperativa Agrícola de Bastos (7 de março); Chūzaburō Nomura, diretor-chefe da Sociedade para Difusão da Cultura Japonesa no Brasil (1.º de abril. O ex-embaixador do Japão na Argentina, Shigetsuna Furuya, foi vítima de outro ataque nesse mesmo dia, mas saiu ileso); Jinsaku Wakiyama, coronel reformado e diretor-chefe da Cooperativa Agrícola de Bastos (2 de junho). Pessoas que arriscavam-se apoiando os derrotistas no interior também eram alvo de ataques, havendo casos de pessoas que recebiam bombas embrulhadas em pequenos pacotes.

A fim de acalmar os ânimos, o consulado da Suécia, responsável pelos interesses dos japoneses no Brasil, divulgou a mensagem do primeiro-ministro Yoshida em 3 de junho. Em 19 de julho, o interventor do estado de São Paulo reuniu cerca 600 representantes de várias regiões da facção vitorista no Palácio do Governo numa tentativa de explicar-lhes a situação, porém sem grande sucesso.

Entre 30 de julho e 2 de agosto, foi registrada uma intensa perturbação na cidade de Oswaldo Cruz (cortada pela estrada de ferro Paulista), havendo confrontos entre brasileiros e japoneses com mortes.

Não somente pessoas que se envolviam diretamente nos atentados, mas muitos dos que eram filiados à organização vitorista Shindō Renmei foram presos por ordem do governo brasileiro. Uma parte dos prisioneiros foi enviada à ilha Anchieta, no litoral do estado, sendo aprovada a medida que previa a deportação para o Japão dos criminosos em três levas a partir de agosto do mesmo ano (que não chegou a ser efetivada).

A proibição da entrada de imigrantes japoneses.

Muito se escreveu sobre os atentados terroristas praticados pelos japoneses nos jornais brasileiros, fazendo com que o sentimento anti-japonês crescesse entre o povo. Discutiu-se na Assembléia Constituinte a possibilidade de incluir, em 27 de agosto, uma cláusula na nova constituição vetando a entrada de imigrantes japoneses no território nacional. A proposta foi rejeitada, depois de o presidente da assembléia utilizar o voto de Minerva e resolver o impasse criado pelo mesmo número de votos “contra” e “a favor”. O veto à entrada de imigrantes japoneses no país, em si, não foi contestada — o problema era incluir na nova constituição uma cláusula como esta.

Os cartões-postais enviados do Japão por amigos e familiares.

Em meio ao caos provocado pelos ataques terroristas, os derrotistas forneceram ao consulado geral dos Estados Unidos no Brasil uma lista com os nomes dos 52 membros da Shindō Renmei que haviam sido presos, seus endereços e os nomes de parentes e amigos no Japão a fim de que os prisioneiros pudessem receber destas pessoas cartas pessoais que revelassem o real estado de coisas no Japão.

O consulado norte-americano concordou com o plano e, em 21 de maio, a lista foi enviada ao Ministério de Assuntos Internos do Japão. Com base nesta lista, cartões-postais foram enviados do Japão a partir do mês de setembro, chegando ao Brasil em dezembro do mesmo ano.

A fim de controlar a situação, uniram forças o governo da Suécia, o secretário de Estado norte-americano, o quartel-general dos Estados Unidos (QG) no Japão e o governo japonês, enviando para o Brasil jornais e filmes japoneses que mostravam o estado de coisas no país. O QG acelerou a reabertura do sistema de correios a fim de facilitar a troca de cartões-postais entre o Japão e o resto do mundo — o serviço foi reestabelecido a partir do dia 10 de setembro. Seguindo os conselhos dos representantes suecos, o Japão estimulou através do rádio a comunicação entre amigos e familiares nos dois países. Só em setembro, foram enviados ao Brasil 572 cartões-postais.

“Semanário” e “Informação”: os periódicos dos derrotistas.

Como a publicação de jornais em língua japonesa continuasse proibida mesmo após a guerra, a facção derrotista passou a imprimir, utilizando mimeógrafos e datilografia, dois boletins: o Semanário [Shūhō] (publicado pela Cooperativa Agrícola de Cotia e que dava preferência a editoriais) e o Informação [Jōhō] (publicado por Chibata Miyakoshi e outros, e que dava prioridade às notícias). Ambos os boletins pararam de ser impressos em 1946, quando da suspensão da lei que vetava a publicação de material escrito em língua japonesa. Em seu lugar, em janeiro de 1947, foi fundado o Jornal Paulista [Paulista Shimbun], periódico de inspiração derrotista.

O Movimento de Ajuda às Vítimas da Guerra.

Em março de 1947, foi criado pelos derrotistas, com o aval da Cruz Vermelha no Brasil, o Movimento de Ajuda às Vítimas da Guerra. O Movimento levantava o dinheiro destinado às vítimas da guerra e, através do Fundo de Socorro às Vítimas da Guerra no Japão (sediado em São Francisco, nos EUA) ou do Comitê de Apoio à Reconstrução dos Países Vitimados pela Guerra (LARA), das Nações Unidas, o dinheiro e gêneros de primeira necessidade coletados eram enviados ao Japão. Também houve participação de vitoristas no movimento, o que contribuiu para aliviar as tensões que existiam entre as duas facções.